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O QUE PENSA MARCOS LISBOA IV: “GRUPOS DE PRESSÃO”


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Marcos Lisboa, em uma de suas reflexões, utilizou a frase “o fracasso é órfão”, geralmente atribuída a John F. Kennedy, para ilustrar um paradoxo presente na economia brasileira. Essa expressão reflete a realidade de que, embora existam inúmeros grupos de interesse atuando no país, quando um programa falha ou uma crise surge, parece não haver responsáveis claros. Esse fenômeno evidencia uma desconexão entre a tomada de decisões e a accountability, ou seja, a prestação de contas e a responsabilização pelos resultados.


O Brasil enfrenta dificuldades estruturais para implementar reformas e mudanças necessárias, como a modernização de setores ineficientes e a eliminação de privilégios injustificados. Esses obstáculos não são fruto do acaso, mas sim resultado de um esforço histórico para fortalecer uma rede de proteção que beneficia diversos grupos de interesse. A criação de regras e mecanismos que garantem esses privilégios acaba por dificultar transformações que poderiam promover maior eficiência e equidade na economia.


Lisboa não idealiza o setor privado brasileiro como superior ao setor público, pelo menos no que diz respeito à atuação de seus grupos de interesse. Ele aponta que há uma combinação perversa entre oportunismo político e má alocação de recursos públicos, que frequentemente são direcionados para sustentar empresas e setores pouco eficientes. Esse cenário é alimentado por uma dinâmica em que lideranças se organizam para obter benefícios específicos, como desonerações tributárias, extensão de regimes especiais (como o Simples Nacional), regras de conteúdo nacional etc.


Mas quem são exatamente esses grupos de pressão que exercem tanta influência sobre as políticas públicas e a economia brasileira? Segundo Marcos Lisboa, esses grupos são compostos por uma ampla variedade de categorias e setores, incluindo o agronegócio, médicos, advogados, companhias aéreas, militares, parlamentares, entre outros. O Brasil, em sua visão, é um país profundamente suscetível à atuação desses grupos de interesse.


Frequentemente, as propostas defendidas por esses grupos são apresentadas sob a justificativa de causas nobres, como a proteção de setores considerados estratégicos ou em desenvolvimento, ou a defesa contra a concorrência internacional. No entanto, o problema reside no fato de que, ao se apoiar nesses argumentos, questões fundamentais como a análise de viabilidade, a sustentabilidade econômica e o custo-benefício dessas medidas acabam sendo negligenciadas. Em vez de promover um debate amplo e transparente sobre os impactos reais dessas políticas, o foco acaba sendo direcionado para a manutenção de privilégios específicos.


Um dos mecanismos mais comuns utilizados por esses grupos é a criação de leis ou normas que consolidam seus benefícios, transformando-os em "direitos adquiridos". Esses direitos, uma vez estabelecidos, tornam-se extremamente difíceis de serem revogados ou reformados, mesmo quando se mostram ineficientes ou prejudiciais ao interesse público. Esse processo acaba fortalecendo uma rede de proteção que beneficia poucos em detrimento da maioria, criando um círculo vicioso em que a mudança se torna cada vez mais complexa e custosa.


A consequência disso é a perpetuação de estruturas ineficientes e a dificuldade em implementar reformas necessárias para modernizar a economia e melhorar a qualidade dos serviços públicos. Enquanto os grupos de pressão continuam a defender seus interesses particulares, a sociedade como um todo arca com os custos dessas distorções, seja por meio de impostos mais altos, serviços públicos precários ou perda de competitividade da economia. Ademais, essa relação promíscua entre Estado e economia pode fomentar a corrupção, uma vez que a complexidade das regras (especialmente as tributárias) cria incentivos perversos e oportunidades para práticas ilícitas.


Marcos Lisboa argumenta que o Brasil herdou, desde o período colonial, instituições de caráter extrativo, ou seja, estruturas que concentram o poder nas mãos de uma pequena elite e que impõem poucas limitações ao exercício desse poder. Esse legado histórico moldou a forma como o Estado e a sociedade se relacionam, criando um ambiente propício para a perpetuação de desigualdades e privilégios. Após a Era Vargas, o Estado brasileiro se expandiu significativamente, consolidando um equilíbrio político e social no qual a sociedade passou a aceitar como natural a concessão de benefícios e privilégios por parte do Estado a determinados grupos.


Um exemplo emblemático dessa dinâmica é o Sistema Tributário Nacional, que é marcado por uma série de exceções, regras complexas e mecanismos que beneficiam setores específicos. Essa complexidade não é aleatória; ela reflete a atuação de grupos de interesse que conseguem influenciar a criação e a manutenção de normas que os favorecem. No fundo, por trás de cada exceção ou benefício tributário, há sempre alguém se beneficiando, seja uma empresa, um setor econômico ou uma categoria profissional.


Essa lógica de funcionamento cria um sistema em que a carga tributária acaba sendo distribuída de forma desigual, onerando mais aqueles que têm menos capacidade de influenciar as políticas públicas. Enquanto alguns setores conseguem reduzir sua carga fiscal por meio de desonerações e incentivos, outros, especialmente os pequenos empreendedores, acabam arcando com uma parcela desproporcional dos impostos.


Outro exemplo emblemático dessa problemática é o caso da indústria automobilística. Segundo Lisboa, o setor foi, em grande parte, responsável pela crise que enfrentou. Incapaz de competir com veículos importados, a indústria pressionou por medidas protecionistas, como o fechamento da economia e o aumento de barreiras comerciais. Essas ações, embora possam trazer benefícios de curto prazo para o setor, acabam por prejudicar a competitividade e a eficiência da economia como um todo, além de onerar os consumidores.


Lisboa defende a necessidade de repensar a relação entre o setor público e o privado, bem como a forma como o Estado intervém na economia. Essa reavaliação é um dos pilares da chamada “agenda republicana”, que busca restabelecer a capacidade do Estado de oferecer serviços essenciais de qualidade para a sociedade, como saúde, educação e segurança pública. A ideia é promover um ambiente mais justo e eficiente, onde as políticas públicas sejam orientadas para o bem comum, e não para atender a interesses específicos de grupos privilegiados. Essa mudança é crucial para que o país possa superar seus desafios estruturais e avançar em direção a um desenvolvimento econômico e social mais sustentável e inclusivo.


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Os links indicados foram acessados ​​em 16 de março de 2025.

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